Alemanha – Handelsblatt – 23/07/2009
Começa hoje a cúpula dos sul-americanos. Mais uma vez, o Presidente venezuelano Hugo Chávez está no centro das atenções – mas na verdade, é o Brasil que manda.
Quando se reunirem, hoje, os presidentes de dez países sul-americanos no Paraguai, Hugo Chávez deverá estar mais uma vez no centro das atenções. O presidente autoritário esquerdista vai condenar o golpe em Honduras e encontrar aprovação entre seus ouvintes. Mas as concordâncias dos países do Mercosul terminam por aí. A comunidade política dos Estados do Mercosul nem conseguiu aprovar uma agenda comum para a cúpula. Seria, ademais, “irrealista esperar uma maior integração ou abertura dos mercados no meio da crise econômica”, afirmou o Ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim. Já o ex-Vice-Presidente da Argentina, Carlos Alvarez, disse com toda franqueza: “O Mercosul é uma casca vazia, na América do Sul não há mais interesse real nesta comunidade.” E parece saber o porquê: o centro de gravidade na América do Sul se desloca para o Brasil – “o Brasil quer ser potência mundial e se acha suficientemente potente.”
De fato, o peso político e econômico do Brasil aumentou de forma contínua desde 2002. O Mercosul deixou, assim, de ser um grupo de parceiros iguais. A crise econômica mundial ainda fez acelerar este processo. Pela primeira vez, o Brasil conseguiu não apenas sobreviver a uma crise internacional apenas com alguns arranhados, mas também conseguiu se impor como âncora da estabilidade no continente. Isto vale tanto para a esfera política quanto para a econômica.
Este ano, a economia brasileira sofre como todo o resto do continente dos efeitos da crise mundial. Mas, segundo avaliação da CEPAL, comparado com o resto do mundo, o país se sai relativamente bem: apesar do mundo sofrer as mais severas turbulências econômicas e financeiras em 70 anos, a América do Sul terá sofrido apenas de uma baixa conjuntural “normal”. Isso se deve sobretudo ao Brasil, cuja potência econômica perfaz aproximadamente a metade do PIB de toda a região. No Brasil, já é realidade a volta para o caminho do crescimento: após três trimestres de recuo, a economia voltou a crescer – e consegue empurrar a região toda. A Cepal acredita que a taxa de crescimento deverá atingir 3,5% para toda a região – mas esse prognóstico está entre os mais otimistas. Porém, não se pode negar que, desde o início do ano, os mercados financeiros estão todos bem humorados – na esperança de dias melhores. Moedas como o Peso chileno ou o Real brasileiro foram os que mais se valorizaram no mundo. E empresas estrangeiras investem mais em novas fábricas, empresas ou produtos do que nos últimos anos.
Em maio, o Brasil foi destino do maior volume de investimentos dos últimos 50 anos. Nos 12 meses anteriores, corporações estrangeiras investiram 42 bilhões de dólares na maior economia da América do Sul. É o crescente mercado interno no Brasil que atrai essas empresas. Além disso, consideram o Brasil um excelente lugar de produção numa América do Sul cada vez mais integrada e estável. O último vale sobretudo para Estados como Chile, Peru e Colômbia, que conseguiram dominar os efeitos da crise através de políticas orçamentárias sólidas, dívidas baixas, reservas elevadas e medidas anticíclicas. Junto com o Brasil, esses países reúnem dois terços da potência econômica do continente. “Pela primeira vez, bancos e empresas estrangeiros me solicitam prognósticos sobre o Brasil para os próximos dez anos ou mais”, diz Octávio de Barros, economista-chefe do banco Bradesco.
O bom desempenho do Brasil na crise também fortalece a posição política do país na América do Sul. O atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou que foi correto seu caminho de uma política econômica e monetária conservadora. Já o Presidente venezuelano Chávez sente que sua influência no continente está diminuindo – apesar do tom agudo contra os golpistas em Honduras. Seu “socialismo do século 21” perdeu significado como alternativa ao rumo mais moderado do Brasil, Chile e Colômbia. Face à baixa do preço do petróleo, Chávez tem dificuldade de financiar seu imenso aparelho de subsídios. Só encontra novos aliados entre os pobres países caribenhos ou centro-americanos – mas não mais na América do Sul. Até os velhos amigos estão lhe virando as costas. Cuba, por exemplo, vem apostando na cooperação com o Brasil na reconstrução de sua infraestrutura.
Não obstante, Lula vai aguentar todos as reclamações de Chávez sem lamentos. “Lula decidiu desempenhar o papel estabilizador na América do Sul”, diz Amado Cervo, especialista em política exterior da Universidade de Brasília. “Para isso, segue o rumo pragmático da anti-confrontação.”
Alexander Busch
Tradução: Markus Kremer, Embaixada do Brasil em Berlim
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